PROGRAMA DE PARCERIAS DE INVESTIMENTOS (PPI): O DESAFIO DE SE ANGARIAR E MANTER A “CONFIANÇA”

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No último dia 02 de junho, tive a oportunidade de participar da Webinar “O Licenciamento Ambiental e a Retomada dos Investimentos no Setor Elétrico”. Como não poderia deixar de ocorrer, o evento foi bastante concorrido em função do tema, das incertezas mais do que nunca a ele associadas e da participação de expositores/debatores de renomada atuação no setor.

Outro não poderia ter sido o foco das discussões que não o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República. E, neste caso, me chamam especial atenção três dos objetivos do Programa, inequívoca e profundamente interconectados: a busca da harmonização entre a ampliação das oportunidades de investimento e emprego com o desenvolvimento social e econômico; e “assegurar a estabilidade e a segurança jurídica dos contratos, com a garantia da mínima intervenção nos negócios e investimentos” (htpps://www.ppi.gov.br/sobre-o-programa, grifo nosso).

Ao primeiro objetivo buscou-se atrelar, conforme bem pontuou Mário Menel, Presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE), a importância das reais contribuições que podem ser trazidas pelo setor elétrico – e, em especial, o de hidreletricidade -, em função do potencial de geração de um número maior de empregos na etapa de implantação de empreendimentos, por períodos mais duradouros. Ao segundo, e resguardando-se as premissas de continuidade de atuação em um ambiente político pautado pelos princípios efetivamente democráticos, Rose Hoffman, Secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental do PPI, associou a necessidade de se facilitar a interlocução e a garantia de ascendência e transversalidade.

Mostra-se particularmente interessante a visão apresentada por Rose Hoffman de o processo de licenciamento ambiental ser um ambiente para se praticar a gestão de conflitos, até mesmo para que, assim, viabilizem-se a maior e melhor interlocução, a ascendência e a transversalidade por ela antes pontuadas. Reconhece-se, portanto, a importância de, no âmbito do PPI e em sua interface com o licenciamento ambiental, gerir-se riscos e, por conseguinte, almejar a tão difícil alavancagem da estabilidade do ambiente de investimentos no Brasil, no que tange à influência das variáveis ambientais. Variáveis estas que, segundo Thiago Barral, Presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), devem ser definitivamente agregadas ao planejamento do setor como forma de incrementar a previsibilidade e a tempestividade na tomada de decisões.

Face a todos os posicionamentos acima citados, com os quais pessoalmente compactuo, detenho-me em um ponto que, na minha opinião, passou ao largo das exposições e discussões havidas: a retroanálise que deve ser realizada em relação à gênese das muitas intervenções nos planos e metas de investimentos no setor elétrico quando a estas se associa o fator socioambiental. Na visão “de trás para a frente” da rede de precedência dessas intervenções estão, muitas vezes, conflitos sociais, que podem – e em sua maioria vêm sendo – judicializados, e que configuram o modo pelo qual as populações, e / ou seus propalados defensores, comunicam a percepção de um risco ao qual estejam submetidas e que, por conseguinte, acabam por se reverter em ônus financeiros para os investidores.

Nesse sentido, não há como negar que enquanto impactos ambientais precipitam ou desencadeiam conflitos, temas econômicos, tais como distribuição dos benefícios de um projeto, ou sociais, como mudanças culturais e no modo de vida de comunidades, mostram-se tipicamente subjacentes aos conflitos, deteriorando progressivamente a convivência entre as partes. Assim, se o processo de licenciamento ambiental lida obrigatória, técnica e administrativamente com as variáveis acima destacadas, dentre tantas outras, e, em especial, com as formas propostas para mitigá-las e / ou compensá-las, não há como dissociá-lo da gestão de um cenário potencial de conflitos. E, a depender de como o processo de licenciamento ambiental contribui, mais ou menos efetiva e imparcialmente, para essa equação entre impactar e mitigar / compensar, pode sim agregar mais ou menos valor ao investimento.

Portanto, não há como se falar em incrementar as possibilidades reais de investimentos e a sua estabilidade, inclusive a jurídica, sem se imiscuir na gestão de conflitos sociais. E, para tal, é preciso que se pratique, desde a etapa de planejamento dos empreendimentos: (i) a qualidade do diálogo com as comunidades e agentes que têm o condão de as influenciar, diálogo este que deve ser pensado e realizado à luz da compreensão da cultura local; (ii) o envolvimento de parceiros que possam efetivamente contribuir para a melhor tradução dessa cultura e dos recursos naturais do território na concepção de ações em prol do desenvolvimento dessas populações, que deve gradativamente ganhar corpo com vistas ao seu descolamento da dependência do empreendedor; e (iii) o exercício da transparência de informações e simetria de procedimentos que possam afetar a vida das populações locais.

Em suma, às práticas da melhor interlocução e da garantia da ascendência e transversalidade com as quais está se procurando, no PPI, alavancar investimentos, devem se unir aquelas de relacionamento com stakeholders locais e regionais acima elencadas, essenciais para não só viabilizar esses projetos, mas principalmente para buscar, de fato, a manutenção de sua estabilidade e a minimização de riscos negativos orçamentários, de cronogramas e de imagem dos investidores.

Há, portanto, que se angariar e manter a confiança, tanto junto àqueles que poderão investir, quanto aos que poderão influenciar, positiva e negativamente, em seus resultados. Este, penso, é um dos maiores desafios do PPI e que, a despeito de poder ser mais ou menos explicitado em determinados momentos políticos, não deixará minimamente de se manter latente e, portanto, permanente gerador de fragilidades ou oportunidades para o empreendedor.

É fato que, em vários casos do setor elétrico, as facilitações de interlocução entre diferentes stakeholders no processo de viabilização de empreendimentos ocorreram com uma “precisão suíça”, em especial na etapa de licenciamento ambiental prévio, angariando-se apoios político-institucionais nas mais diversas esferas e que acabaram por permear-se, também com sucesso, junto à população em geral que seria impactada. No entanto, se as expectativas criadas não se configuram e a qualidade do diálogo inicial se corrói ao longo do tempo, os conflitos emergem, os riscos de significativos contingenciamentos imprevistos de custos materializam-se e a imagem corporativa sofre um inegável esgarçamento. Talvez um dos casos mais emblemáticos neste cenário seja o da UHE Santo Antônio, no rio Madeira, que vale ser avaliada ao longo de seu histórico de planejamento, implantação e operação sob as óticas dos conceitos e práticas de engajamento de stakeholders, de participação social e, ao fim e ao cabo, da Licença Social para Operar (LSO). Mas este é um assunto para outras oportunidades.

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