Setor elétrico e povos indígenas: da “evitação” para o real diálogo social

 Em Base Legal e Normativa, Estudos e Projetos, Negócios e Meio Ambiente

“Embora a questão indígena na Brasil seja objeto de histórica e intensa legislação e institucionalização, o país ainda não desenvolveu uma estratégia ajustada ao tratamento das interfaces com o Setor Elétrico. Diferentemente de outros países, onde a questão indígena integra os processos de licenciamento desde as fases iniciais, garantindo a representação, a antecipação e a formulação de acordos de grande alcance, a experiência brasileira é marcada pela estratégia da evitação.”

Estas são as palavras da antropóloga Eliana Granado, que integra a Comissão de Comunidades Indígenas da Eletrobrás e é uma das autoras de uma nova nota técnica que traz contribuições e diretrizes de boas práticas com os povos indígenas, prestes a ser lançada.

Em conversa com a equipe da FR, Eliana destacou que um grande desafio para o Brasil é aprender mais sobre os povos indígenas, romper com preconceitos e ideias rasas sobre a cultura desses povos.

“Há muito desconhecimento sobre a cultura indígena em toda a sua diversidade. Temos exemplos de índios que foram buscar o conhecimento tecnológico e voltaram para compartilhar com o próprio povo. Ter um modo de vida e valores diferentes não é excludente da vida compartilhada em outros grupos”, ressalta Eliana, que ainda complementa: “O Brasil precisa conhecer o índio. A diversidade é gigantesca. Não existe índio genérico”.

Quando o assunto é controle e mitigação de impactos ambientais em terras indígenas provocados por grandes empreendimentos, Eliana indica que o caminho é o diálogo social, pautado na responsabilidade socioambiental.

“O empreendedor precisa estar atento, pois sempre existe o caminho do meio. É preciso ter tolerância, praticar o diálogo e inovar com novas formas de convivência. Assim se tem menos risco e, logo, menor custo”.

Eliana Granado possui mais de 30 anos de experiência como antropóloga, trabalhando com populações indígenas em organizações como a FUNAI, o Departamento de Meio Ambiente de FURNAS e consultorias para o Ministério de Minas e Energia (MME) por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Em uma série de relatórios técnicos para o MME e o PNUD, Eliana, juntamente ao consultor Ricardo Cid Fernandes, formula uma proposta para atualização das diretrizes setoriais concernentes ao relacionamento do setor elétrico com povos indígenas.

Em sua pesquisa, que conta com entrevistas de diversos agentes do processo, os próprios técnicos do IBAMA afirmam que todos “temem” a integração da questão indígena nos processos de licenciamento. Assim se entra em um ciclo vicioso, a que fazem referência os técnicos do Ministério Público Federal entrevistados: “estudos falhos, programas inadequados, compensações insuficientes, demandas contínuas”.

Proposta de atualização das diretrizes
Para solucionar os problemas levantados pelo estudo, a proposta de atualização das diretrizes é apoiada por duas grandes análises. Uma delas foi desenvolvida para a contextualização da problemática indígena em interface com o Setor Elétrico. A segunda está centrada no estudo dos Termos de Referência (TRs) de Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) brasileiros relacionados à questão indígena, à luz da legislação e diretrizes internacionais. Para saber mais sobre este material, veja aqui alguns detalhes que elencamos sobre ele.

Em grande medida essas conclusões confirmam a validade das diretrizes elaboradas pelo IPARJ em 1988. A proposta vem, então, para regulamentá-las, mas revela também algumas perspectivas discordantes, que implicam em transformação e mesmo supressão de algumas diretrizes estabelecidas anteriormente.

A aderência da nova proposta aos preceitos da Licença Social para Operar
Conforme amplamente destacado em painéis da Exposibram, ocorrida em Belo Horizonte de 18 a 21 de setembro, a Licença Social para Operar (LSO) está muito longe de ser mais um documento formal a ser exigido no processo de licenciamento ambiental. Na realidade, é a legitimação a ser concedida a um empreendimento, em todas as suas fases, pelos principais stakeholders que com ele interagem, com amplo destaque, obviamente, para as populações atingidas.

Delfim Rocha, Diretor Executivo da FR, vem participando de diversos foros e interagindo com instituições de pesquisa que vem se dedicando no Brasil ao tema, e comenta:

“Fica nítido que a proposta para o relacionamento do Setor Elétrico com as populações indígenas é aderente aos preceitos da LSO, já em curso em 14 (quatorze) países e que, pela abrangência que vem rapidamente ganhando no Brasil em ambientes diversos, entre os quais aqueles com viés nitidamente desenvolvimentista, como o Exposibram, é um caminho sem volta. É por isso que estamos nos antecipando para podermos ofertar a nossos clientes estratégias e soluções integradas para planejar, implantar e monitorar o relacionamento com os vários stakeholders que interagem com seus projetos e empreendimentos. Para isso, estamos desenvolvendo e sistematizando um P&D interno à FR, com a participação de alguns consultores especializados, a partir dos resultados e percepções por nós obtidos na aplicação de nossos produtos de assessoria à gestão e relacionamento com stakeholders, inclusive aqueles aplicados às populações indígenas, bem como de monitoramento socioeconômico. E já começamos a aplicar os frutos desse Programa interno em alguns de nossos serviços junto a empreendimentos dos setores de geração de energia hidrelétrica e mineração”.

Foto: Valter Campanato/ABr – Agência Brasil (Creative Commons)

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